A incerteza cai com a tarde no limite da praia. Um pássaro apanhou-a, como se fosse um peixe, e sobrevoa as dunas levando-a no bico. O seu desenho é nítido, sem as sombras da dúvida ou as manchas indecisas da angústia. Termina com a interrogação, os traços do fim, o recorte branco de ondas na maré baixa. Subo a estrofe até apanhar esse pássaro: com o verso, prendo-o à frase, para que as suas asas deixem de bater e o bico se abra. Então, a incerteza cai-me na página, e arrasta-se pelo poema, até me escorrer pelos dedos para dentro da própria alma."
Floresce, na orilha da campina, esguio ipê de copa metálica e esterlina.
Das mil corolas, saem vespas,abelhas e besouros, polvilhados de ouro, a enxamear no leste,onde vão pousando nas piritas que piscam nas ladeiras, e no riso das acácias amarelas.
Dos charcos frios sobem a caçá-los redes longas, lentas e rasgadas de neblina. Nuvens deslizam,despetaladas, e altas, altas, garças brancas planam.
Dançam fadas alvas, cantam almas aladas, na taça ampla, na prata lavada, na jarra clara da manhã..."
2 comentários:
"CREPUSCULAR
A incerteza cai com a tarde
no limite da praia. Um pássaro
apanhou-a, como se fosse
um peixe, e sobrevoa as dunas
levando-a no bico. O
seu desenho é nítido, sem
as sombras da dúvida ou
as manchas indecisas da
angústia. Termina com a
interrogação, os traços do fim,
o recorte branco de ondas
na maré baixa. Subo a estrofe
até apanhar esse pássaro:
com o verso, prendo-o à frase,
para que as suas asas deixem
de bater e o bico se abra. Então,
a incerteza cai-me na página, e
arrasta-se pelo poema, até
me escorrer pelos dedos para
dentro da própria alma."
Nuno Júdice
"Amanhecer
Floresce, na orilha da campina,
esguio ipê
de copa metálica e esterlina.
Das mil corolas,
saem vespas,abelhas e besouros,
polvilhados de ouro,
a enxamear no leste,onde vão pousando
nas piritas que piscam nas ladeiras,
e no riso das acácias amarelas.
Dos charcos frios
sobem a caçá-los redes longas,
lentas e rasgadas de neblina.
Nuvens deslizam,despetaladas,
e altas, altas,
garças brancas planam.
Dançam fadas alvas,
cantam almas aladas,
na taça ampla,
na prata lavada,
na jarra clara da manhã..."
João Guimarães Rosa
in Magma
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